Na enfermaria de pneumologia, uma paciente de oitenta anos. Simpatizou comigo no primeiro dia, pois disse que eu era o primeiro que não ia só apertar a barriga e escutar o pulmão.
No segundo dia, conversei com a sua vizinha de leito, e como ela estava fazendo nebulização, falei que voltava depois para conversar com ela.
– Não! – Ela respondeu, séria.
Olhei meio pasmo, com uma cara de “como assim?! Não?!”.
– Se é só pra conversar, nem volte aqui. Só volte se for pra namorar.
Caí no riso. Respondi que enquanto ela estivesse internada eu não poderia, questão de ética, né? Mas quando ela tivesse alta…!
Encontrei o médico residente responsável por ela no corredor, que me disse que ele já havia a visto, que como ela era meio hostil com os internos, eu poderia deixar e não examiná-la aquele dia. Comentei que ela não era hostil comigo, contei a história rindo.
Essa paciente é uma paciente com doença pulmonar obstrutiva grave, DPOC. Não vive sem oxigênio suplementar. Fica com falta de ar para tomar banho. Internou com uma pneumonia. Foi tratada, quando estavam planejando sua alta, caiu no banheiro do hospital, e evoluiu com muita dor na coluna, não conseguindo deitar-se, dormindo na cadeira todas as noites. Alguns dias estava muito bem-humorada, outros dias nem queria conversar.
Com dor ainda, mas planejando sua alta novamente, mudou o médico responsável, que não quis liberá-la sem conhecê-la melhor. Ficou mais alguns dias, a alta estava planejada para a segunda-feira. No fim de semana sua perna piorou bastante, com uma infecção de pele, além de uma infecção no ouvido. Como havia tomado antibiótico “forte” quando internou, foi iniciado outro, também por via venosa, o que significa que a alta fora postergada em mais sete dias.
Faltando quatro dias para a alta planejada, ela persistia com dor importante nas costas, aquela desde a queda. O médico residente resolveu pedir novas radiografias da coluna. No hospital, demora até uma semana para que venham os laudos dos raios-x, a menos que você vá até o radiologista e peça o laudo “urgente”. Foi o que eu fiz. Tinha fratura. Três vértebras.
O residente já tinha saído do hospital. Fui contar as más notícias para ela. Ela chorou, disse que não agüentava mais ficar no hospital, queria ir para casa, etc… Diversas vezes falou de deus, perguntando porque a havia abandonado. Perguntei se ela era religiosa, depois que respondeu afirmativamente, perguntei se ia à capelinha do hospital.
Não ia, pela dor só conseguia ir de cadeira de rodas, levada. E não havia quem a levasse. Perguntei se gostaria de conversar com um padre. Gostaria.
Antes de ir embora, com um peso nos ombros, me sentindo exausto, conversei com os voluntários do hospital para que alguém passeasse com ela de tade e para que um padre fosse conversar com ela.
Ela continuou internada ainda após alguns dias depois de eu sair do estágio da pneumo. Resolvi passar lá ver como estavam os “meus” pacientes. Fiquei uma tarde conversando com ela e outro, com câncer de pulmão. Levei-a para a capelinha de novo. Antes da alta, pegou meu número e disse que mandaria notícias.
Não sei o que foi. Talvez me fizesse pensar nos meus avós. Sei lá. Mas ela me moveu…