Uma amiga disse que histórias bonitas merecem ser contadas de maneira bonita. E adiciono que histórias longas não devem ser contadas com pressa. Com isso em mente, começo a preencher mais uma página em branco.
Chego ao aeroporto cedo. Mais de uma hora antes do vôo. Estava indo para a Europa, após curtas férias, voltar a trabalhar em um navio de cruzeiro. Quando fui fazer o check-in a atendente perguntou o destino final. Aí caiu a ficha. Helsinque, Finlândia. Vários anos antes, na época da internet lenta e do Napster eu havia conhecido uma banda de metal com vocal feminino. Na época em que os DVDs eram recentes, comprei o show dessa banda antes mesmo de ter um aparelho que tocasse DVD em casa. Essa banda era da Finlândia. O eu do passado nem imaginava que dentro de alguns anos estaria no aeroporto prestes a embarcar para lá. Ri por dentro. Finlândia…
Após um breve vôo, chego ao aeroporto onde pegaria a conexão para a Europa. O problema é que com os horários dos vôos comprados pela minha companhia, eu faria uma escala de oito horas, em um aeroporto que não tem nada para se fazer. Minha bagagem já despachada, todos os pormenores resolvidos, restava esperar. Pensei em imitar um amigo que desistiu de comer nos restaurantes dos aeroportos, em suas viagens ele passava nas lojas duty free e montava seu almoço.
Enquanto aguardava próximo ao guichê para novo check-in ela apareceu. Ela diz que foi ela quem puxou assunto. Acredito, minha memória não é tão boa e depois de acordar cedo e ficar sem fazer nada esperando o próximo vôo, eu não deveria estar tão sociável. Mas ela era encantadora. Um rosto meigo, sorriso sincero, cabelo longo, moreno querendo ser ruivo. Falamos sobre alguma coisa do vôo. O assunto morreu. Aquela voz interior mandou largar mão de ser trouxa e puxar assunto. Sua mochila tinha um broche do Pink Floyd. Voltamos a conversar. Era sua primeira viagem internacional. Eu tinha muito mais experiência (cof cof cof). Era minha terceira ida, a segunda a trabalho. Ela passaria por vários lugares por onde eu passei. A conversa fluia.
Fizemos o check-in e entramos na área de embarque, fui para o duty free e me decepcionei. Não havia comida. Escolhi um vinho. Peguei algo para comer no barzinho que tinha. Ainda havia uma longa espera até o embarque. Só encontramos tomadas em um dos pilares longe de qualquer banco. Sentamos no chão do aeroporto, celulares na tomada e vinho em copinho de plástico. O tempo passou rápido. Quase rápido demais. Nossas poltronas eram longe uma da outra. A minha à esquerda e mais à frente, a dela à direita uma ou duas seções para trás. Fiquei meio decepcionado, mas o vôo seria longo, quem sabe nos encontraríamos de novo?
Fomos até o finger juntos, e uma pausa para uma foto à porta do grande jumbo. Nos separamos, cada um para seu assento. Minha poltrona era no corredo da seção lateral. Havia um assento vago ao meu lado. Decolagem e início do vôo sem problemas. Quando iniciariam o serviço de bordo fui procurá-la. Lembrava o assento dela? Depois de um pouco de confusão, várias pessoas nos corredores e próximas aos banheiros, encontrei-a. Ela levantou-se e conversamos no corredor. Não sou inclinado à religião, destino ou coincidências, mas havia uma poltrona vaga ao meu lado. Convidei-a para jantar comigo. Ela aceitou.
Quando o atendente passou por nós, olhou um tanto surpreso. “Ela não estava aqui”. Não. É minha convidada, por favor, trate-a bem. Rimos. Jantamos juntos. Literalmente juntos, já que o espaço no avião é restrito. Lembro de brincar que se tudo corresse bem, o atendente poderia ser nosso padrinho. Terminado o jantar, ainda não era hora de terminar o encontro.
Levei-a ao cinema. Bom, não bem ao cinema, mas assistimos a um filme na telinha da poltrona dividindo o fone de ouvido. Não lembro qual era o filme. Alguns detalhes me falham, mas ela voltou ao seu assento e depois retornou. Acho que foi antes do filme, depois da janta. Até ela voltar, não achei que voltaria. Mas fiquei feliz com o retorno. Continuamos assim até a hora de dormir. Foi um yoga penoso até achar uma posição mais ou menos confortável para os dois.
Não lembro se tomamos café da manhã juntos. Acho que sim, e depois disso ela voltou ao seu assento, até o pouso. Nos reencontramos na saída do avião, para terminar em Paris nosso primeiro encontro.
O personagem principal do Clube da Luta diz que nos vôos fazemos “single serving friends“, amigos de porção individual. Desconhecidos que cruzam nosso caminho pelos breves momentos de um vôo de A para B e depois somem. Quando nos despedimos eu tinha a certeza de que não a queria como single serving.
Sei que escrevo com outros olhos, não são os mesmos de quando nos despedimos no Charles de Gaule, escrevo após quase um ano. Mas mesmo se eu não consegui traduzir em palavras, não tenho dúvidas que uma história dessas é muito melhor do que dizer “conheci no Tinder”.